O enquadramento penal das intervenções e tratamentos médico-cirúrgicos em Portugal
Em Portugal, uma das formas mais adequadas de responsabilizar médicos e prestadores de cuidados de saúde é a apresentação de queixa crime e o acompanhamento do processo crime movido contra aqueles.
Nos termos do Código Penal português, as intervenções e tratamentos médico-cirúrgicos, quando realizadas de acordo com as legis artis, não são consideradas ofensas à integridade física e não são passíveis de qualquer sindicância pelas autoridades judiciais. Com efeito, de acordo com o número 1 do artigo 150.º do Código Penal, as intervenções e tratamentos, quando realizadas “segundo o estado dos conhecimentos e da experiência da medicina, se mostrarem indicados e forem levados a cabo, de acordo com as leges artis, por um médico ou por outra pessoa legalmente autorizada, com intenção de prevenir, diagnosticar, debelar ou minorar doença, sofrimento, lesão ou fadiga corporal, ou perturbação mental” não podem ser alvo de qualquer ação criminal contra as pessoas que o levaram a cabo.
Questão diversa, contudo, ocorre quando os médicos ou outras pessoas legalmente autorizadas realizam esses tratamentos ou intervenções médico-cirúrgicos violando as leges artis e criam, desse modo, um perigo para a vida ou perigo de grave ofensa para o corpo ou para a saúde dos pacientes. Neste caso, os comportamentos são passíveis de ser condenados, caso se comprove que os tratamentos/intervenções foram incorretamente realizados e produziram dano nos pacientes que deveria ter sido evitado. Com efeito, para estes casos, o Código Penal português prevê uma pena que pode ser de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias, se pena mais grave lhes não couber por força de outra disposição legal. Note-se que, neste caso estamos apenas a analisar as consequências penais, sem prejuízo de, à situação em concreto, poderem ser aplicáveis outras consequências de ordem disciplinar ou civil.
Importa esclarecer que o tipo de crime do artigo 150.º, n.º 2, do CP, corporiza crime doloso, exigindo que o médico conheça e deseje a violação das legis artis e, para além disso, conheça e queira criar o perigo previsto naquela norma.
Desta forma, se estivermos perante uma situação em que haverá a suspeita de erro médico, poderão os pacientes lesados apresentar queixa junto das autoridades para dar início ao procedimento criminal e, dessa forma, solicitar ao Ministério Publico a investigação dos factos, levando a cabo, se necessário a elaboração de pareceres técnicos, designadamente do Conselho Médico-Legal do Instituto de Medicina Legal territorialmente competente. Para além desta possibilidade, o Ministério Público está obrigado a recolher todas as provas que se considerem essenciais para a obtenção da verdade material e, dessa forma, apurar a responsabilidade criminal dos arguidos.
Esta é, pois, uma via importante em Portugal para análise da responsabilidade do erro médico, uma vez que transfere para o Ministério Público o ónus de investigar os factos e fazer a análise jurídica sobre o comportamento do agente. No entanto, esta situação apenas será adequada para os casos em que o médico, de forma dolosa, viola as regras da arte, ou seja, em que o lesante tem consciência que a intervenção e/ou tratamento médico-cirúrgico provocará dano ao paciente e, ainda assim, leva a cabo a sua realização. Com efeito, no campo de análise de comportamento negligente, o cumprimento das legis artis afasta inexoravelmente qualquer averiguação quanto à observância, ou não, do dever de cuidado, por ser de entender, por força do art. 150.º, n.º 1, do CP, que se trata de um comportamento irrelevante para o direito penal.
Em conclusão, em certas situações, a apresentação de queixa crime e o consequente processo crime poderá ser um meio para os pacientes lesados verem sancionadas as pessoas que provocaram dano em consequência dos tratamentos médicos que realizaram. Acima de tudo, é um processo cujo ónus de prova se encontra “transferido” para o Ministério Público o que pode facilitar a obtenção de prova e minimizar os custos com a sua realização.
ESM Reclamación Sociosanitaria
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